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Ata

Fomos recebidos na Fazenda Capoava, localizada no município de Porto Feliz (SP),região metropolitana de Sorocaba, por representantes da ONG Caminho das Águas, um Movimento Socioambiental criado em 2005 na cidade de Itu que, a partir de 2016, iniciou em Porto Feliz o Projeto “Caminhos da Capoava - Porto Rural”, a convite do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade. A partir de então passaram a “interagir, cocriar e vivenciar experiências com a comunidade da Fazenda Capoava”, cultivada por gerações de trabalhadores de uma usina açucareira, que conta atualmente com cerca de 87 famílias. A partir de ferramentas como a permacultura e a Comunidade de Aprendizagem Integrativa (Projeto CAPIN das Águas), visam juntos promover a gestão do patrimônio histórico e ambiental da Colônia Capoava e construir um modo de vida econômica e ecologicamente sustentável, respeitando a dignidade humana.

 

Após a chegada da maior parte dxs participantes, demos início às atividades do 7o(Re)Encontro da Rede SP de Memória e Museologia Social. Demos as boas-vindas e agradecemos pela presença de todxs. Reconhecemos as condições concretas de realização do encontro, informando a cooperação da venda vizinha com o fornecimento de energia elétrica até ao meio dia. Sendo assim, invertemos a programação prevista para propiciar aos convidados a apresentação de seu material fílmico e fotográfico. Abrimos para a rodada de apresentação dos participantes. Destacamos a expografia montada por Aline Zanatta para contextualizar as memórias afetivas ligadas à Fazenda Capoava, com fotografias e memórias de sua mãe, que nasceu na fazenda e viveu nela até os seis anos de idade, tendo estudado na escola em que estávamos reunidos. Ela destacou a importância da chita e da sianinha como elementos do fazer das costureiras locais. Assim começamos a entrar no universo da Capoava e de seus desafios. 

 

O primeiro convidado a se apresentar foi Guilherme Rodrigues, documentarista que registrou as memórias dos caiçaras, num debate que demonstrou como o audiovisual – a pesquisa, a produção e a circulação – podem compor um processo de museologia social, mobilizando sujeitos e coletividades a partir do seu autorreconhecimento, da descoberta de uma luta comum e da defesa de seus interesses, no direito à própria existência e manutenção de seu modo de vida. Sônia Fardin, do Coletivo Socializando Saberes, foi convidada a partilhar sua experiência com midialivrismo e ponderou sobre as limitações das redes sociais, chamando a atenção para a importância das conexões reais entre lutas, movimentos, sujeitos e coletivos. Ela destacou a experiência da Casa de Cultura Tainã na formação de redes alternativas entre movimentos quilombolas e indígenas no Brasil, através do software livre. Falou ainda do modo como é preciso desconstruir nosso olhar e nossos procedimentos na produção audiovisual, uma vez que estamos muito condicionados pelo olhar e pelas linguagens da mídia hegemônica. Geraldo Barros também destacou os mecanismos (algoritmos, limitações de acesso etc.) por meio dos quais as redes sociais privadas dificultam as interações reais e o alcance das mensagens às comunidades que têm interesse. 

 

Fizemos um intervalo para o pic nic colaborativo. Durante o lanche, conhecemos informalmente projetos, pessoas, experiências. Alguns participantes exploraram o espaço da fazenda. Compartilhamos aqui a receita do delicioso Bolo de Arroz da Marqueza, que fez sucesso entre os participantes: Ingredientes: 1 copo de arroz cru, 1 copo de leite, 1 copo óleo, 1 copo de açúcar,  3 ovos, 1 pacote de queijo ralado, 1 pacote de coco ralado, 1 colher de pó royal. Modo de fazer: lavar o arroz, colocar de molho por uma hora e meia. Aquecer o forno. Juntar ao arroz o resto do ingredientes, bater tudo em um liquidificador, deixando o fermento para misturar ao final. Untar uma forma redonda com margarina e por açúcar no lugar da farinha e despejar a massa na forma para assar. 

 

Após o almoço, Aline abriu os trabalhos informando o grupo sobre a Teia Sudeste, organizada pela Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, a ocorrer em setembro (próximo ao feriado de 7 de setembro), no Espírito Santo, para o qual serão possibilitadas passagens e hospedagens para três pessoas. Posteriormente, reforçamos a necessidade de levarmos o maior número de iniciativas possíveis, a intenção de elaborarmos cartas convites para que as instituições possam enviar seus integrantes e para que as comunidades e iniciativas populares possam pleitear apoio para transporte junto às prefeituras e Estado. Também informamos o nosso pedido à Rede RJ para negociar com a cidade ou Estado que sediará o encontro da Teia Sudeste a liberação de uma escola ou ginásio que possa acolher caravanas comunitárias, gratuitamente, favorecendo assim a ampla participação da cultura popular. Entendemos que somos rede e não uma estrutura representativa. 

 

Dados os recados, Cristina Fachini apresentou a iniciativa do projeto de cartografia da culinária baseada no milho, que se integra com a questão do turismo de base comunitária na região do Vale do Paranapanema (Capão Bonito e Ribeirão Grande). Destacou a valorização do ingrediente e as ligações entre as receitas e as manifestações culturais específicas das regiões, a questão da forma de cultivo, as variedades de milhos, etc. Falou sobre como o projeto vem sendo comunicado e registrado colaborativamente, com vários profissionais engajados voluntariamente, e do portal que está compilando essa cartografia. Rafaela Basso, pesquisadora que também se dedicou ao tema da culinária e da cultura do milho em São Paulo, interagiu com a apresentadora. Foram feitas questões e extrapolação desse tipo de iniciativa para a Fazenda Capoava. Mencionou-se a culinária ligada ao açúcar e a dificuldade de fazer a ponte com memórias dolorosas, já que a cana era o elemento da exploração e opressão dos trabalhadores que ali residiam. As suas memórias afetivas estão ligadas prioritariamente a outros elementos. Também foi mencionada a dificuldade em pensar uma gastronomia típica em uma comunidade onde muitas famílias possuem restrições alimentares impostas por dificuldades financeiras.

 

Em seguida, fizemos um percurso pela área social da Capoava, guiadxs por Carlos Diego, da ONG Caminho das Águas. As conversas sobre a Capoava possibilitaram não apenas o reconhecimento de sua estrutura, mas a emergência de vários questionamentos: o que é o patrimônio da fazenda?, podemos falar em “comunidade”?, como fazer a aproximação respeitosa com a coletividade dos moradores; o direito de ‘ficar como está’... Por fim, Suzy Santos fez um balanço das aprendizagens do dia, criando pontes com a Museologia Social, pensando na relação entre “comunidades” e patrimônios – ou fratrimônios (como sugeriu Sônia Fardin) – em territórios musealizados, na importância de uma museologia comprometida com os direitos humanos e compartilhando um pouco de sua investigação de mestrado sobre os ecomuseus e museus comunitários brasileiros, abrindo a discussão final com os participantes. 

 

Nos debates e ao longo do dia ficou evidente, pelos relatos dos participantes locais, que ali há várias camadas de memória e temporalidades associadas ao patrimônio edificado (por exemplo, a das ‘raves’ dos anos 80...). Que memórias serão trazidas à tona no processo? Há inúmeras potencialidades prontas para vir à tona na Capoava. Eliane Araújo falou da importância de ouvir a comunidade por meio das prosas. Suzy mencionou a ferramenta do inventário participativo. Juliana falou da museologia como retribuição à matriz cultural que nos forma e, nesse sentido, lembrou a concepção de tempo dos povos indígenas, em que o passado está à nossa frente e o futuro atrás, o que significa que a rememoração, junto com a criatividade, é a ferramenta para a museologia. Também falou da museologia e da rede como vínculo de compromisso, que vai muito além da conexão das redes sociais, mas se coloca como corresponsabilidade. Tratamos da importância de desenvolver políticas públicas que sejam capazes de incluir a diversidade de experiências de preservação cultural existentes no Estado. Lúcia falou da importância de trazer os moradores e ouvi-los. Sonia reforçou essa perspectiva, enfatizando que o desafio atual da Capoava está na transição de uma situação caracterizada por extrema opressão pelo patronato para uma outra situação em que a emancipação é possível. Nesse sentido, é um momento chave, requerendo todo cuidado para que não se estabeleça outra relação de dependência. *Ao fazer esse relato, indicamos o estudo do caso do Ecomuseu do Creusot Montceau, na França, que teve como objetivo exatamente o desenvolvimento da iniciativa de uma comunidade de trabalhadores que eram dependentes do patronato.*

 

Ficamos de combinar por e-mail a indicação do próximo encontro e também dos nomes para receber o apoio da Rede RJ para a participação na Teia Sudeste. Antes de ir embora, nos despedimos animadamente, trocando contatos e ideias de colaborações.

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